Vivemos por muito tempo numa
bolha de falso conforto e negação. Nos países ricos, os cidadãos começaram a
acreditar que haviam transcendido o mundo material. A riqueza acumulada – com
frequência, às custas de outros – blindou-os da realidade. Viver por trás de
telas, passando entre cápsulas – as casas, os carros, os escritórios e os shoppings
– persuadiu-os de que as contingências haviam recuado, de que eles próprios
haviam alcançado o ponto almejado por todas as civilizações: o isolamento dos
riscos naturais.
Agora, a membrana se rompeu,
e nos encontramos nus e ultrajados. A biologia, que pensávamos ter banido,
irrompe em nossas vidas. A tentação, quando a pandemia tiver passado, será
encontrar uma nova bolha. Não podemos sucumbir a isso. De agora em diante,
deveríamos expor nossa mente às dolorosas realidades que negamos por tempo
demais.
O planeta tem múltiplas
morbidades, muitas das quais farão o coronavírus parecer, em comparação, fácil
de tratar. Uma, mais que as outras, tornou-se minha obsessão nos últimos anos:
como nos alimentamos? As disputas por papel higiênico, nos supermercados, já
são horríveis demais. Espero nunca ter de testemunhar uma luta por comida. Mas
está se tornando difícil descobrir como poderemos evitá-las.
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