“O Maior Genocídio da
História da Humanidade — mais de 70 milhões de vítimas entre os povos
originários das Américas - Resistência e Sobrevivência”. Tudo isso é o título
da capa do livro de Marcelo Grondin e Moema Viezzer, editado por Princeps, em
Toledo, Estado do Paraná, em 2018. Viezzer e Grondin, na apresentação do livro,
citam documento que assegura que a invasão européia nas Américas, desde 1492,
provocou um extermínio entre 90 e 95% da população total. Assustados com esses
dados foram, pesquisar e chegaram à conclusão de que a conquista e ocupação
territorial pelos europeus provocou ao longo dos séculos, cerca de 70 milhões
de mortos. Sem dúvida, o maior genocídio da história da humanidade.
No México, foram
assassinados 20 milhões, nos Estados Unidos, 18 milhões, nos países andinos
foram mais de dez milhões, no território brasileiros mais de quatro milhões.
Todas essas mortes foram por massacre provocado por tropas militares,
enfermidades, fome, trabalho forçado, castigos corporais em regime de
escravidão, deslocamentos para lugares inóspitos.
Extermínio nas ilhas
caribenhas
A conquista teve início com
os espanhóis nas ilhas do Caribe, a partir da ilha que batizaram como La
Hispaniola, hoje República Dominicana e Haiti, habitada na época por pelo menos
um milhão de pessoas. É Bartolomé de las Casas, padre espanhol que acompanhava a
expedição, quem descreve o que presenciou:
“…saiu com seu séquito
preparado para a guerra, levando com ele Bartolomeu Cólon, seu irmão, e entrou
em La Vega (aldeia) onde havia muita gente reunida, dizem alguns que eram 100
mil homens. Ali avançaram com suas espadas e lanças seus cães bravíssimos e o
impetuoso poder dos cavalos, cortando os índios como se fossem manadas de aves
ou ovelhas encurraladas, deixando uma grande multidão de gente feita em pedaços
para os cães, patas de cavalo e espadas. Àqueles que ainda se mantinham vivos,
que ainda era uma multidão, condenados a ser escravos” (LAS CASAS, 1951, I, p
414 - citado por Viezzer e Grondin).
Ali onde havia uma cultura
florescente, harmonizada com a natureza, os espanhóis roubaram as terras,
impuseram métodos de governo e de trabalho, este como melhor meio para explorar
as pessoas, como foi o método da encomienda, divisão, em todo o mundo
hispânico, conhecido como a meia, terça ou cambão no mundo lusitano. Morria
muita gente no duro trabalho nas minas ou nas plantações. Não estavam
acostumados ao trabalho de quebrar pedra para retirar o minério. Paralelamente,
as enfermidades europeias que se transformavam em epidemias dizimaram povos
inteiros.
Em La Hispaniola, em 1492,
havia um milhão de habitantes. Em 1514, só 14 mil. E essa hecatombe se repetiu
nas demais ilhas… Jamaica, Porto Rico, Cuba. Os tainos, habitantes dessas ilhas
desapareceram do mapa.
México maior que qualquer
cidade da Europa
No México, os espanhóis
chegam em 1519 e encontram uma civilização mais avançada do que a dos
conquistadores. Nos 30 primeiros anos da conquista (1519-1548) foram mortos 20
milhões de habitantes. De 25 milhões de pessoas em 1519, foram reduzidos a 1,7
mil em 1605. Hoje o México ainda tem uma população indígena majoritária que
continua na luta por sua libertação. Nas guerras de independência dos povos sob
o jugo da coroa espanhola também foram os povos originários os que deram suas
vidas com esperança de que teriam uma situação melhor. Sem chance.
O saqueio das riquezas
minerais é incalculável
A conquista dos povos
andinos, que estavam sob o domínio do império Inca, com organização própria de
Estado e de produção, teve início em 1532. Ouro e prata abundantes
enlouqueceram os europeus. Todos queriam ficar ricos rapidamente e isso a custo
da vida dos povos nativos.
“Entre 1503 e 1650
desembarcaram no porto de Sevilha 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos
de prata. A prata levada de Potosi para Espanha em pouco mais de um século
excedia três vezes o total das reservas europeias. E essas cifras não incluem o
contrabando”. (GALEANO, 2014, p. 43 - citado por Viezzer e Grondin).
Quando os espanhóis
chegaram, em 1500, o Tawantinsuyo tinha 15 milhões de habitantes, e em 1620, um
milhão. Só nas minas de Potosi, foram oito milhões de mortes. Nos anos 1700,
com a criação dos vice-reinos, os incas, cansados de exploração, se sublevaram,
o que provocou aumento da mortandade.
O papa Paolo III, preocupado
com tanto morticínio, editou uma bula em que considerava os índios como seres
humanos e que, por isso, deviam ser batizados. Isso em nada mudou a relação com
os conquistadores. Ao contrário, colocou igreja e religião como armas da conquista
e consolidação da colônia.
Na América do Norte, outro
genocídio sem fim
Na América do Norte,
excluindo o México já citado, a conquista começou um pouco mais tarde por
súditos da corte da Inglaterra que migraram por razões religiosas depois da
Reforma, ou por razões econômica. Quando desembarcaram, o território era
habitado por 18 milhões de pessoas, pelo menos. Hoje, se tanto, mal chega a 2,5
milhões porque houve uma recuperação. Em 1790, a população branca de pouco
menos de quatro milhões era igual a dos indígenas, exterminados por guerras,
fome e doenças de brancos.
À ânsia por terra e riqueza
se somava a questão religiosa e a ideia da supremacia branca dos teutões, raça
destinada a dominar o mundo selvagem. Quem não era branco não era gente. O
destino manifesto, como doutrina de Estado orientou a expansão e ocupação do
território do Atlântico ao Pacífico. A Lei de Remoção de 1830 autorizava os
conquistadores a sacar os indígenas das terras férteis para entregá-las aos
colonos. Isso se vê nos filmes de cowboys. Os nativos expulsos tinham que ir
para as montanhas inóspitas e, mais tarde, às reduções, verdadeiros campos de
concentração de extermínio cultural.
O terrível desse genocídio
se vê nos números. Em 1620, a população nativa era de 18 milhões, foi reduzida
a 600 mil em 1800 e chegou a 250 mil em 1900. Em 2008, o censo demográfico dos
Estados Unidos mostrou uma população de aproximadamente 325 milhões de
habitantes. Entre esses, 75,1% brancos, oriundos de imigrações europeias,
enquanto os nativos representavam 0,13% da população, algo como 2,5 milhões,
quando no início do século 17 eram 18 milhões. Os dados revelam tudo, diz o
livro sobre o maior genocídio.
No Brasil o genocídio ainda
não terminou
No Brasil de 1500, com a
chegada dos conquistadores portugueses, havia uma população nativa de 4 a 5
milhões de habitantes. A coroa portuguesa distribuía terras sem limites à
nobreza e membros da corte, criando desde os primeiros assentamentos, o
latifúndio e a cultura de terra arrasada. Os bandeirantes organizavam
expedições armadas para capturar indígenas para o trabalho escravo e no avanço
da ocupação os confinam em reduções e aldeias sob controle do poder colonial.
Esse genocídio sem controle
iniciado em 1500 se estendeu até os anos 1900, quando começam a surgir
políticas com intenção de impedir ou diminuiu a mortandade. A partir da
República surgem novas ameaças com as extensões das ferrovias e rodovias e a
expansão predatória da fronteira agrícola, seguida dos processos de ruralização
e urbanização, com adensamento da população branca resultado da promoção da
imigração de europeus. População branca adversa, que raramente aceitavam
conviver com a população indígena e negra. Em muitos centros urbanos a
população de negros escravos ou libertos era maior do que a dos colonos
brancos. Houve guerra, diz a história, mas na verdade foi resistência e
massacre pela incomparável disparidade de força e do armamento utilizado pelos
invasores das terras.
Em 1910, o governo, por
iniciativa do marechal Cândido da Silva Rondon, descendente de índios, em
tarefa de demarcação das fronteiras, criou o Serviço de Proteção do Índio (SPI)
e reservas florestais protegidas para sobrevivência das aldeias. Em 1967, em
plena ditadura militar, o SPI foi substituído pela Fundação Nacional do Índio
(Funai). A trajetória dessas duas organizações oscilava entre proteger os
indígenas e favorecer os proprietários fundiários na expansão dos latifúndios.
Nos primeiros anos dos 1900,
na pequena e provinciana capital de São Paulo ainda se falava nhenhen catu, a
língua geral tupi-guarani. Nesse início do século 20, os livros de geografia
indicavam que a partir de Bauru, no centro-oeste paulista, eram terras
desconhecidas habitadas pelos indígenas. De fato, eram botocudos, tupi-guarani
majoritariamente. Esse território ia até as barrancas do Rio Paraná e, do outro
lado do rio, ao Sul, tribos da etnia guarani e, ao Norte, xavantes.
Foi Vargas quem abriu as
terras de Mato Grosso, colindante com São Paulo, para colonização por latifundiários
paulistas ou seus descendentes. Eram terras habitadas pelos guarani ao Sul e
xavante ao Norte. Os indígenas foram obrigados a se deslocar para terras
virgens e florestas inóspitas do Centro-Oeste e do Norte.
Nos anos 1950 essa fronteira
agrícola se estendeu pelo Norte e Oeste do Paraná, Oeste de Santa Catarina. Na
década seguinte, continuou a expansão da fronteira agrícola em direção Oeste e
começou a ocupação da Amazônia, projeto da ditadura militar, com abertura de
estradas (transamazônica), assentamentos e matança dos povos originários. Em
outra década mais e a fronteira se estendeu pelo Sul do Pará e do Maranhão,
Oeste e Norte de Goiás, Norte de Mato Grosso.
Tudo isso se faz ao custo da
vida dos povo originários e ribeirinhos, dos quilombolas, posseiros, e também
ao custo do desmatamento, contaminação de rios, perda de mananciais. Há um
dramático documentário feito pela Televisão italiana, Rai, que mostra brancos
metralhando aldeias e jogando roupas contaminadas para envenenar os índios. Essa
é a história da invasão europeia (chamada civilização ocidental e cristã) que
continua perpetuada pelos descendentes dos primeiros colonizadores e pelos
imigrantes que lhes seguiram os passos no transcorrer desses cinco séculos.
Massacre contínuo das populações e destruição predatória da natureza, praticada
também até mesmo pela população não tão branca por força da mestiçagem. Essa é
a história da expansão das fronteiras agrícolas no século 21, sem que se tenha
visto vontade de mudar. Entra governo sai governo, continua tudo na mesma.
Como ocorre a expansão da
fronteira agrícola
Como regra, o governo libera
áreas de terras da União para uma empresa de colonização. É quem processa a
divisão em lotes, que serão vendidos para agricultores e pecuaristas, prevê
caminhos e centros urbanos para oferta de serviços. Os primeiros que entram na
área são as madeireiras. Derrubam a floresta, vendem as toras para a indústria
madeireira e também para os fazedores de carvão. No Brasil do século 21 ainda
há fundições que utilizam carvão vegetal. Os assentamentos e o movimento nessas
áreas logo atraem os grileiros para ocupar as terras ao redor. Também é muito
comum o tipo que compra uma fazendo os alqueires rapidamente dobrar ou
triplicar o tamanho ocupando terras públicas ou de posseiros.
Nas décadas de 1940/50, no
Norte do Paraná, derrubaram a Mata Atlântica, mataram os povos nativos e
plantaram café. Hoje essa região está transformada em um mar de soja a
perder-se no horizonte.
Hoje a expansão predatória
se faz principalmente fazendo pasto ou semeando grãos (soja, milho, algodão,
amendoim, sorgo). O Brasil tem hoje o maior rebanho bovino do mundo com 220
milhões de cabeças; e já ultrapassou os Estados Unidos em produção de soja.
A modernização da
agricultura extensiva de grão para exportação em nada melhorou a vida das
populações em geral. Ao contrário, aumentou as desigualdades sociais, ampliou
enormemente o abismo entre a pobreza e a riqueza e obriga os brasileiros a
conviverem com as mudanças climáticas por conta da derrubada das florestas,
contaminação dos rios e mananciais e dos defensivos agrícolas venenosos. E,
como se não bastasse, o desprezo absoluto por qualquer ser vivente.
https://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/direitos-humanos/58765/maior-genocidio-da-humanidade-foi-feito-por-europeus-nas-americas-70-milhoes-morreram?fbclid=IwAR1TpjKGKLr0IOU4vopQ4rQqfGwZ8-7yNbMTDboBHrec6KXT9h3Z9GcIB8Q
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