Incentivar o 'espírito
empreendedor' do trabalhador é um meio para tornar legal a precarização do
trabalho, aponta Fundação Perseu Abramo.
Precariedade do mercado
passa por diversos aspectos, como a ‘uberização’ do emprego, a incapacidade de
organização coletiva e uma política do Estado, como a reforma trabalhista
São Paulo – Jornadas longas,
péssimas condições de trabalho, pouquíssimos direitos assegurados e insegurança
sobre o futuro. Essas são as dificuldades apontadas por trabalhadores
informais, que vivem sob a ótica do “incentivo empreendedor”. Para pesquisadoras
da Fundação Perseu Abramo (FPA), o termo “empreendedorismo” deveria ser
substituído por “gestão da sobrevivência”.
O incentivo para que o
trabalhador se torne “empreendedor” é um meio para formalizar a precarização do
trabalho, aponta um estudo publicado pela FPA, que ouviu manicures, domésticas,
motoboys, ambulantes, costureiras e trabalhadores do setor de construção civil.
A cientista social e
coordenadora executiva da pesquisa, Léa Marques, explica que a precariedade do
mercado se relaciona a diversos aspectos, como a “uberização” do emprego, a
incapacidade de organização coletiva e os efeitos da reforma trabalhista.
“Esse discurso do tal
empreendedorismo é mais uma forma da precarização do trabalho. Isso se dá para
os trabalhadores das periferias, que estão longe dos centros comerciais e
precisam lidar com o mercado de trabalho sem nenhum direito. Esse discurso do empreendedor
é para que o Estado não tenha responsabilidade sobre políticas públicas de emprego
e renda”, explica à RBA.
Já a socióloga e supervisora
da pesquisa, Ludmila Costhek Abílio, lamenta que nos períodos de crise, a
informalidade se torne a única opção para o trabalhador. “Nós vimos, por meio
das entrevistas, que há uma ‘uberização’ do trabalho. São novas formas de
organização da informalidade e que atingem diversas ocupações. É preciso
desconstruir o discurso do empreendedorismo, de quem alcançaria o sucesso
sozinho.”
Formal em um dia, informal
no outro
A pesquisa da Fundação
Perseu Abramo aponta que o trabalhador vive num trânsito constante entre o
trabalho formal, informal e outras atividades remuneradas.
De acordo com Ludmila, o
estudo mostra que o mercado formal e o informal não são dois campos estáticos.
“As pessoas fazem um monte de coisa ao mesmo tempo para garantir a
sobrevivência. O motoboy usa o trabalho dele para ser sacoleiro também, a
costureira abre um brechó na casa dela. São várias formas de garantir a própria
sobrevivência”, pontua.
Outro aspecto levantando
pela pesquisa é de que a figura do Microempreendedor Individual (MEI) funciona
mais como veículo de informalização do que de formalização do trabalho. “As
manicures e os motoboys viraram MEI. Estão formalizando a informalidade. O
mercado se apropriou dessa brecha para precarizar mais o trabalho”, critica
Ludmila.
A Perseu Abramo também
identificou que, com o aumento do trabalho informal, os trabalhadores,
desamparados pela lei trabalhista, criaram suas formas de organização coletiva.
Entretanto, não são todas as categorias que conseguem e as que alcançam têm
dificuldade de mobilização.
Os motoboys, por exemplo,
possuem formas de organização ativas por meio das redes sociais. “Mas vimos
categorias que têm dificuldade de organizar, como as manicures e empregadas
domésticas, porque estão em espaços privados”, conta a supervisora da pesquisa.
Por outro lado, Léa explica que é preciso entender como funcionam as novas
relações de trabalho, já que a informalidade estimula o individualismo, sendo
que as dificuldades devem ser enfrentadas coletivamente para serem superadas.
“Tem motoboy relatando (na
pesquisa) que houve uma manifestação contra a empresa do aplicativo e ele foi,
mas como recebe por dia, não ganhou nada na ocasião. Quando teve a segunda
manifestação, não foi e ganhou o dobro do valor, porque todos estavam
paralisados. Há uma organização, mas é difícil colocar em prática”, afirma
Marques. “Os trabalhadores estão conectados, mas é difícil se organizar quando
nada está garantido”, acrescenta Costhek. O estudo também mostra que os
trabalhadores não buscam se formalizar com medo de perder a renda e por conta
da precarização do mercado formal. Porém, eles admitem querer os direitos
previstos da CLT. A cientista social acredita que o momento pede uma nova forma
de articulação dos sindicatos para que representem os trabalhadores informais.
“Isso mostra uma necessidade de os sindicatos criarem esse debate para incluir
os informais nas suas formas de atuação”, diz Léa.
https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2019/02/nao-existe-empreendedorismo-mas-gestao-da-sobrevivencia-diz-pesquisadora/?fbclid=IwAR2B4PEEa_7qY7hU9GojwJMAOS4qqGGLP42ygJxCqNJG1GybyW4YNjOk6QI
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