A "Bagatela Para Piano em Lá
Menor, WoO 59" de Beethoven é uma das peças clássicas mais conhecidas que
existem. Composta em 1810, ela traz uma dedicatória íntima: "Para Elise em
27 de abril em recordação de L.v. Bthvn".
Do jazz ao hard rock, do cabaré
ao toque de celular, passando pelo hit italiano ("Maledetta Elisa!"),
poucas melodias são tão onipresentes quanto essa. Não há dúvida: caso Ludwig
van Beethoven (1770-1827) ainda recebesse direitos autorais, bastaria "Für
Elise" para torná-lo milionário.
Porém durante longos anos uma
questão extramusical permaneceu em aberto: quem era a homenageada? Até há
pouco, pensava-se tratar-se de uma jovem e bela amiga do compositor, uma certa
Therese Malfatti.
Agora, o musicólogo alemão Klaus
Martin Kopitz crê haver encontrado a resposta. Não que tivesse essa intenção: a
descoberta foi mero subproduto de seu trabalho mais sério de pesquisa
historiográfica.
Há anos Kopitz trabalhava numa
edição do livro "Beethoven No Olhar de Seus Contemporâneo", contendo
relatórios de gente que conheceu o compositor pessoalmente, diários, poemas,
lembranças: "Algumas mulheres são presenças constantes. E uma delas é
Elisabeth Röckel."
Nascida em 1793, ela era a irmã
caçula do cantor Joseph Röckel, que em 1806 cantou o papel de Florestan na
única ópera de Beethoven, "Fidelio", sob a regência do próprio
compositor. Assim como seu irmão, a graciosa bávara, que os amigos chamavam
"Elise", afeiçoou-se ao excêntrico gênio nascido em Bonn.
Alegre e despreocupada, ela possuía
também talento musical, tocava piano e mais tarde tornou-se cantora. Na
primavera europeia de 1810, mudou-se de Viena para Bamberg, em seu primeiro
contrato teatral. E este é mais um argumento de Kopitz: se Beethoven escreveu a
peça "em recordação", é de se supor que ocorreu uma separação.
Beliscões carinhosos
O compositor e a jovem
conheciam-se bem, já que ele dedicou a obra não a "Fräulein Röckel",
mas sim a "Elise". A amizade entre os dois está bem documentada,
inclusive pela possível musa. A um conhecido, ela contou, por exemplo, de uma
noitada na casa do celebrado violonista Mauro Giuliani.
Apesar de acompanhada por seu
futuro marido, o compositor Johann Nepomuk Hummel, "Beethoven, em sua
extroversão renana, não cansava de cutucá-la e de brincar com ela. Tanto que,
ao fim, ela não sabia como se livrar dele: de tanto carinho, ele não parava de
beliscá-la no braço", cita Kopitz.
O fato de Elisabeth haver se
decidido por Hummel não abalou a amizade do casal com Beethoven. Poucos dias
antes da morte do músico, em março de 1827, ela o visitou, cortou um cacho da
cabeleira do compositor e ganhou como suvenir suas últimas penas de escrita.
Resta a pergunta: como pôde
Elisabeth Röckel permanecer ignorada por musicólogos e historiadores durante
quase dois séculos? E como foi que sua "rival", a Malfatti, entrou
nessa história?
Os responsáveis foram Ludwig Nohl
e Max Unger, estudiosos confiáveis da vida e obra beethovenianas. Nohl
descobriu e publicou a "Bagatela Em Lá Menor" em 1865, mas não
conseguiu localizar o nome "Elise" no contexto da vida do compositor.
Unger foi quem rebatizou
arbitrariamente a peça como "Para Therese", sob o pretexto de que o
original, desaparecido por um certo tempo, estivera temporariamente em mãos de
Therese Malfatti.
Teoria novelesca
E esse é mais um mistério: por
que Therese estaria de posse de uma peça dedicada "a Elise"? Uma
possibilidade é que, já que ambas se conheciam, tivessem trocado partituras
entre si. Klaus Kopitz arrisca uma outra hipótese, ainda que não cem por cento
científica. Tenha-se em mente que, segundo certas fontes, em abril de 1810
Malfatti e o compositor de 39 anos estavam noivos.
"Suponhamos que Therese
fizesse uma visita a Beethoven --aqui estou dando asas à imaginação-- e visse
sobre o piano a peça com a dedicatória. E perguntasse: 'quem é essa Elise? Tu
querias casar comigo, ou não?' Uma situação um tanto constrangedora: escrever
uma peça 'para Elise' quando se pretende casar uma Therese!"
Para quem quiser saber o fim da
novela: Kopitz publica um ensaio completo sobre Beethoven e Elisabeth Röckel na
próxima edição dos Bonner Beethoven-Studien.
(Anastassia Boutsko / Augusto
Valente)
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